domingo, 22 de agosto de 2010

VII

Estávamos num acampamento do colégio que envolvia o ensino médio inteiro, quando me lembrei de tomar um remédio que havia esquecido no dormitório.

- Inspetora, eu preciso ir ao dormitório pegar um remédio que esqueci na minha mala.

- Não posso te acompanhar agora, Kate. E você não pode ir sozinha. – Ela disse, rígida.

- Mas eu preciso...

- Tome a chave. - Impaciente, ela me entregou um molho de chaves com a numeração de cada dormitório nelas.

Olhei para o caminho escuro e falei para minha turma de amigos que estava sentada próxima a mim:

- Alguém vem comigo?

Ninguém se habilitou.

- Ah, obrigada. Vocês são muito legais. – Ironizei.

- Eu vou com você. – Fernando se levantou e eu tentei não sorrir.

Eu gostava dele. Demais. Ok, talvez eu fosse apaixonada por ele. Ele não era um desses lindos garotos populares que saem pegando qualquer uma por aí. Ele era calado, quieto, bonitinho, e tinha uma inteligência avassaladora. Um típico nerd. Ele não sabia de meus sentimentos, nem eu tinha coragem de contar.

Fomos em silêncio, um ao lado do outro e entramos no dormitório que eu dividia com mais cinco pessoas. Fui até a minha mala e peguei meu remédio, e quando me virei de costas, Fernando estava um pouco perto demais.

- Kate, eu preciso falar uma coisa com você.

Meu coração soltou fogos, eu estava quase sorrindo e dizendo “sim, eu quero ficar com você!”, mas preferi aguardar. Tentando manter o tom natural na voz, falei:

- Tudo bem, Fernando, pode falar.

- É que... – Ele ficou sem jeito. Eu já imaginava o que estava por vir. – O Alex gosta de você.

- Ah. – O desapontamento na minha voz foi evidente. – Desconfiava...

- E ele quer ficar com você.

- Acontece que eu não gosto do Alex.

Ele pareceu um pouco assustado.

- E de quem você gosta?

Pensei bem antes de dizer isso, mas aí repeti para mim mesma: “O que tenho a perder?”, e falei logo tudo.

- Eu gosto de você, Fernando.

Dessa vez ele pareceu muito assustado. E instintivamente, como uma idéia que aparece sem precedentes na cabeça, inclinei-me em sua direção e colei nossos lábios rapidamente. Quando voltei à minha posição, olhei para ele e senti o rubor atingir minha face. Porque diabos eu tinha feito isso? Antes que eu me preparasse para correr e nunca mais olhá-lo novamente, ele disse:

- Eu também gosto de você, Kate. - Um sorriso enorme apareceu em meu rosto. – Mas não podemos ficar juntos.

Com a mesma rapidez que veio, o sorriso foi embora.

- Quê? Como assim, Fernando? A gente se gosta e...

- E o Alex é meu amigo. Não posso fazer isso com ele. – Ele olhou para baixo e disse num tom triste.

- Entendo. – O pior é que eu entendia. Poderia colocar-me na posição dele. – Tudo bem. Vamos embora, então.

Quando me dirigia à porta, porém, Fernando segurou meu braço e ainda com os olhos no chão, disse:

- Deixe-me só fazer isso pela última vez. – Então ele novamente colou nossos lábios, mas por um tempo maior dessa vez.

Então aconteceu. Alguém abriu a porta e ouvi a voz:

- Porque vocês demoram... – A última palavra ficou perdida no ar. Afastei-me de Fernando com a maior velocidade que pude, e olhei para Alex assustada.

Estávamos os três sem saber o que dizer, constrangidos. Eu e Fernando abríamos a boca, mas não saía som. Alex nos olhava abobalhado.

- Alex, eu... – Comecei, mas ele me parou com um gesto de mão. Calei-me, enquanto ele não tirava os olhos de Fernando.

Seu olhar era de alguém machucado, alguém que fora traído, e especialmente de raiva. Mas ele não me olhava, porque não me julgava. Seu ódio era destilado apenas no amigo. Ainda com a mão levantada, disse:

- Já entendi tudo. – Dito isso, virou de costas e foi embora.

O silêncio no dormitório foi constrangedor e agonizante. Não ousávamos nos encarar, Fernando continuava olhando o chão e eu com o olhar fixo na parede. Até que quebrei o silêncio.

- Foi minha culpa. Sinto muito.

- Não foi.

Comprimi os lábios, incerta sobre o que deveria fazer agora.

- Vou atrás dele. – Fernando disse, e então eu o encarei. – Vou explicar tudo.

- O quê? Fernando, se vocês fizerem as pazes, lá se vai toda a esperança que tínhamos de ficar juntos. – Minha voz subiu algumas oitavas.

Fernando me encarou indignado.

- Está pedindo para eu escolher entre você e ele?

- Não estou pedindo nada. – Minha voz voltou ao tom normal. – Só expondo os fatos.

Fernando me encarou com raiva e dirigiu-se à porta.

- Namoros vêm e vão, Kate. Amizades são para sempre.

E ele foi embora. Fiquei em choque no dormitório. Sem amigo, sem futuro namorado, e sozinha.

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